A perda de um filho é um evento traumático para os pais, especialmente para as mães. Quando acontece antes do nascimento, pode gerar sérias consequências psicológicas. O luto perinatal é definido por especialistas como o luto decorrente da morte de um feto entre o final da gestação e o primeiro mês após o nascimento.
“É um luto profundo e único, pois envolve sonhos, expectativas e o vínculo emocional que se forma desde os primeiros dias de gestação. Esse processo é doloroso e intenso, pois os pais se veem em uma situação de perda inesperada, muitas vezes sem a mesma rede de apoio que teria para outras perdas”, explica Marília Scabora, psicóloga e fundadora da Tribo Mãe (grupo de acolhimento e apoio materno).
Essa falta de apoio muitas vezes é resultado da falta de informação ou da ideia equivocada de que, por não conhecerem o bebê, os pais não enfrentam o mesmo impacto da morte. Independentemente da causa, compreender melhor o luto perinatal pode ajudar tanto os pais enlutados quanto a rede de acolhimento.
Fases do luto perinatal
Conforme Marília Scabora, o luto perinatal envolve quatro fases:
- Negação: inicialmente, é comum que os pais passem por uma fase de descrença, em que a dor parece surreal e o entendimento da perda não é imediato;
- Raiva: esse momento pode vir com sentimentos de injustiça e questionamentos sobre o motivo da perda;
- Depressão: os pais lidam com a dor profunda da ausência, em que sentimentos de tristeza e vazio predominam;
- Aceitação: com o tempo e o apoio certo, é possível que os pais comecem a encontrar um novo equilíbrio emocional, aprendendo a lidar com a ausência do bebê, mesmo que a saudade permaneça.
“Cada fase pode variar em duração e intensidade, e é importante que os pais vivenciem essas etapas no seu próprio tempo, sem pressões externas”, conta a especialista.
Impacto do processo de luto na saúde mental dos pais
Quando um casal engravida, é natural criarem expectativas sobre o futuro, baseadas na perspectiva de ampliar a família. No entanto, diante da perda, é como se esse sonho fosse destruído. Assim, tanto as mães quanto os pais se veem em busca de explicações. Segundo a psicóloga, no caso das mulheres, esse processo pode acarretar riscos emocionais, como depressão pós-parto, ansiedade e uma intensa sensação de culpa.
“Para os homens, que também criam expectativas e sonhos, a perda pode causar sofrimento profundo e sentimentos de impotência. Ambos podem enfrentar dificuldades em expressar e validar suas dores, o que pode aumentar a solidão e o impacto emocional. Em alguns casos, o luto não processado pode impactar o relacionamento, levando a distanciamento ou dificuldades de comunicação entre o casal”, conta Marília Scabora.
Práticas para lidar com a ausência do bebê
Lidar com a morte do bebê não é um processo fácil e exige tempo e apoio. No começo, é natural não querer conversar sobre o assunto. Se isso acontecer, respeite o seu tempo e se permita sentir as suas emoções. Mas, quando se sentir confortável, busque um amigo e o auxílio de uma especialista, pois a conversa é um dos caminhos para ressignificar o luto.
“É essencial que os pais se permitam viver essa dor, conversando sobre a perda, seja com pessoas de confiança ou em grupos de apoio especializados. Além disso, rituais de despedida, como guardar memórias, escrever cartas ou até fazer cerimônias simbólicas, podem ajudar na elaboração doluto, permitindo que os pais integrem essa perda em suas vidas de forma mais saudável”, diz Marília Scabora.
Cuidado humanizado
No caso de familiares, amigos e pessoas próximas, é preciso compreender que esquecer a dor não é o melhor caminho. Por isso, a melhor estratégia é tentar se colocar no lugar do outro e evitar algumas frases clichês que, na tentativa de confortar os pais, podem minimizar a sua dor, tais como:
- “Você ainda é jovem”;
- “Pelo menos você pode tentar novamente”;
- “Você tem outros filhos”;
- “Pelo menos você não tinha conhecido o bebê direito”;
- “É melhor não pensar nisso”.
Ao invés disso, tente oferecer um apoio humanizado. Alguns cuidados, segundo a psicóloga, incluem:
- Ouvir sem julgar e validar a dor;
- Oferecer ajuda prática, como cuidar de afazeres domésticos, especialmente no início do luto;
- Manter-se presente, respeitando o ritmo da pessoa, mas sem a deixar sozinha.
“Às vezes, pequenas mensagens de apoio ou apenas a presença física pode fazer grande diferença”, completa a fundadora da Tribo Mãe.
Papel do psicólogo no acompanhamento do luto perinatal
Embora a escuta ativa de pessoas próximas seja fundamental, o apoio de um psicólogo é indispensável. Este profissional é capacitado para ajudar os pais a lidarem com suas emoções, prevenir transtornos psicológicos e evitar que o trauma afete futuras gestações, já que, conforme Marília Scabora, a perda perinatal pode gerar medos e inseguranças, tornando a experiência mais desafiadora.
“Nesses casos, a psicoterapia é fundamental, pois permite que os pais elaborem o trauma e encontrem um espaço seguro para expressar seus medos e ansiedades. Esse acompanhamento ajuda os pais a vivenciarem a nova gestação de forma mais tranquila, sem deixar que a dor da perda anterior bloqueie a esperança e o vínculo com o bebê que está por vir”, conclui a psicóloga.