Alguma coisa acontece. O amor acaba. A morte chega. A doença nos pega. A paz vai embora. E a tristeza se instala. O céu azul anil, para nós, está desbotado. Onde foi parar a graça do mundo? E esse rasgo no peito? Quando vai se remendar?
A tristeza é uma visita intrometida. Aparece quando bem entende, sem nos consultar, e não tem data marcada para partir. De tempos em tempos, ela simplesmente toca a campainha. É inevitável. Claro que dá vontade de ignorar o “blim-blom”.
Não é prazeroso se sentir triste. Ainda mais numa sociedade que exalta a felicidade, como se ela pudesse ser permanente. Porém, por mais custosos que sejam, os estados acinzentados da alma têm um papel a cumprir em nosso amadurecimento emocional. Em vez de rechaçá-los, melhor compreendê-los.
Funcionamento do cérebro na tristeza
Vejamos o que acontece no cérebro quando algo nos entristece. Os níveis de neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, que, entre outras funções, provocam sensação de bem-estar e prazer, se encolhem. Essa redução afeta o sistema límbico, área do cérebro associada às emoções, especialmente a amígdala provocando sensação de tristeza e até desesperança.
Podemos inclusive experimentar essa emoção de forma avassaladora a ponto de acreditarmos que não sentiremos alegria novamente. “Por afetar o nível de neurotransmissores, a tristeza também influencia nossa percepção de tempo e realidade. Quando estamos tristes, nosso cérebro tende a ter um viés mais negativo da nossa vida, contribuindo para um círculo vicioso de pensamentos pessimistas e desesperançosos. Isso faz com que momentos de tristeza pareçam muitas vezes intermináveis”, explica Paula Roosch, especialista em inteligência socioemocional, fundadora do Midiamor e colunista de Vida Simples.
A dor é real, mas passageira. Principalmente se nos aproximarmos dela como quem oferece colo a um animalzinho ferido. Se traduzirmos seu lamento, teremos condições de providenciar os cuidados necessários para seu restabelecimento.
“A tristeza é um sinalizador a nos avisar que não estamos sabendo lidar muito bem com uma situação e que precisamos de tempo para entender o que está acontecendo em nosso mundo interno, para encontrar um recurso, um caminho, uma solução”, afirma a psicóloga junguiana Jussara Reis. Dessa maneira, conseguimos redirecionar nossa energia, evitando a estagnação e o adoecimento.
O que é essencial
Mensageira de partes profundas da alma, sobretudo quando atravessamos trechos espinhosos da jornada, ela vem nos lembrar de coisas muito importantes. Por exemplo, do valor e do significado de algo ou alguém em nossa vida. Ainda nos mostra com clareza quais são as nossas dificuldades, inseguranças e medos naquele momento, como também a realidade da condição humana, que nos iguala enquanto seres imersos no imponderável.
“Ela nos conta o tamanho da nossa impotência diante de fatos que não queremos viver, o quanto não temos controle diante daquilo que não queremos perder e o quanto somos sensíveis, frágeis, vulneráveis diante daquilo que não conseguimos manter ou conquistar”, aponta Jussara.
É impactante, sem dúvida. Porém, as experiências tristes refinam nossa relação com a vida, pois da nossa pele se desprendem as “cascas” de certas defesas que nos afastam do que sentimos de verdade. “A cada vivência triste que superamos, nos tornamos mais humanos, mais empáticos com o que acontece em nosso entorno, e mais resilientes”, ressalta a psicóloga.
Convite para o recolhimento
Paula faz coro: “Provavelmente seus aprendizados mais profundos vieram em fases de muito sofrimento e de pesares, que te levaram a ressignificar sua visão de mundo e até suas crenças de identidade”. É que, segundo a especialista, quando a tristeza não é reprimida e ignorada, ela baixa a energia corporal, faz um convite para o recolhimento e se torna uma oportunidade para repensar limites, necessidades, valores e escolhas.
Sendo assim, seria um desperdício tremendo fechar a porta na cara dessa visitante, não acha? Mais sábio encarar os dissabores como chances de evoluir e tomar conhecimento do que realmente necessitamos para ficar bem. De preferência, sem pressão, julgamento ou condenação. “Não somos perfeitos, não temos todas as respostas, e, no processo da vida, cada um tem o seu tempo, o seu ritmo para lidar com suas fragilidades e migrar para uma condição na qual se sente mais fortalecido”, pondera Jussara.
Um estado transitório
A psicóloga ressalta que a tristeza é um estado transitório, apesar de apresentar níveis diferentes em cada pessoa, de acordo com sua personalidade e a forma como lida com as questões que desencadearam o pesar. O alerta deve soar quando a melancolia se prolonga e vem acompanhada de falta de energia, de desejo, de vontade de realizar tarefas que antes eram prazerosas.
Soma-se a isso perda de apetite, alteração do sono e falhas na memória, com evidente prejuízo das atividades costumeiras. Pode-se identificar aí um estado depressivo que precisa ser cuidado com muita atenção. Pedir ajuda a um profissional qualificado e buscar apoio em nossa rede é fundamental.
Se, por um lado, ficamos abatidos em face do que nos aborrece, por outro, guardamos dentro de nós ferramentas que estão a serviço da transformação. O mundo internoé mais criativo do que imaginamos. Quando estamos no estado de dor emocional, aquela que nos deixa mais quietos, reservados, sem energia para os chamados de fora, ficamos mais próximos de nós mesmos. Reduzimos o som das pessoas e dos estímulos externos e passamos a ouvir mais nossa própria voz.
Escutando nossa alma, iniciamos um diálogo com ela. Então, uma história passa a ser contada, a história daquela dor, daquela decepção, daquela perda, daquele conflito, daquela angústia. “Quando essa história se expressa, vamos tomando consciência do que aconteceu conosco, vamos analisando melhor a situação ao nos determos nos detalhes que emergem, vamos integrando os significados e trabalhando em nós a conclusão dessa história. Qual desfecho desejamos, de verdade, para a nossa vida?”, interroga Jussara.
Gesto de amor
Podemos usar como recurso terapêutico as expressões artísticas, aquilo que se afina à nossa sensibilidade, como pintura, colagem, poemas, canto, dança e por aí vai. Acolher os períodos cinzentos sem afobação por respostas e muito respeito por nós mesmos, pelo nosso processo, é um gesto de amor.
A energia criativa que nutre o nosso psiquismo vai nos dando, no seu tempo, condição para lidarmos com a dor, amenizá-la e encontrar meios para voltarmos a sentir disposição, bom humor, prazer, alegria.
“Você não é sua tristeza e nem uma emoção… você está. De perto, a situação pode parecer confusa, sem sentido, como uma peça que não se encaixa em lugar nenhum. Adiante, você conseguirá visualizá-la no imenso e misterioso quebra-cabeça da vida”, encoraja Paula. Que a tristeza visite nossa “casa”, deixe seus ensinamentos e siga viagem.